sexta-feira, 31 de outubro de 2014

As Loucas Viciam (e loucos)



A gente detesta rotina. A rotina é inevitável. Sendo inevitável uma coisa que a gente detesta a gente se frusta. Descer todo dia a estacão do Largo do Machado e vinte e três passos depois da escada é onde costuma estacionar a porta do vagão. Os mesmos de sempre apertados até a Uruguaiana. A mesma mesa de escritório cinza na agencia de publicidade. O mesmo porteiro da madrugada. Eu canso do mesmo por mais que seja bom, por ser o mesmo. Me coloque dez esmeraldas preciosas em volta de uma colher enferrujada e vou me interessar pela colher por ser o diferente.

Quando eu caio na minha rotina, eu me frusto, e olha que minha rotina ainda é um pouco menos fechada que a maioria das outras. A casa, após um dia estressante, é um refúgio maravilhoso. Depois disso é uma prisão com as mesmas paredes, os mesmos quadros e o mesmo anão esquartejado no freezer. É por isso que só as loucas me salvam. Em um mundo prezando para ser normal, eu fico esperando uma quebra de rotina a cada esquina. Imagino virar a rua e uma manada de zebus violeta em debandada. Seria lindo. E por isso busco a pessoa que seja esse zebu. Com menos pelo. Um pouco menos.

Eu sempre adorei me relacionar com "adversários", antagônicos, gente que me desafia mesmo sem perceber. Gente que me faz diferente a cada frase, que me obriga a ser assim. Então prefiro aquela pessoa que me deixa sem ação. Que me deixa sem resposta. Mais do que uma simples relação, eu desejo um desafio, uma intermitente catarse imprevisível que pode desencadear em doces beijos quando aquela ruiva de Brasília não resiste muito bem ao seu sotaque de carioca devidamente forçado para acertar o ponto fraco.

A pessoa louca é uma grande aventura. Você nunca sabe o que vai acontecer, é como um filme inédito toda noite no cinema. Está tudo bem e de repente ela fecha a cara e fica de mal. Está tudo mal e de repente ela pula na sua cara e é isso aí. O caos, meus amigos, o caos é delicioso. Se relacionar com uma pessoa louca é poder inventar milhares de planos escalafatosos e em vez de ser repreendido ouvir "isso podia ser legal". É ver a chuva da janela, dizer "a gente podia tomar banho de chuva" e perceber que ela já está de sutiã indo pro terraço.
É claro que nem tudo são flores, e viver no caos é quase como uma selva de sentimentos onde qualquer mini-aranha é peçonhenta. Os altos e baixos são mais altos e mais baixos. Mas o ideal do surfista não é marolinha. Queremos ondas gigantes, queremos descidas deslizastes da prancha. Queremos os maiores tubos dos sete mares. Precisamos parar de assistir aqueles documentários de ondas gigantes no National Geographic.

Eu detesto princesas — em parte por experiências ruins com patricinhas, em parte porque nunca fui muito chegado à monarquia e até um plebiscito votamos e fomos contra, seus novinhos — mas não consigo deixar de resistir a uma louca. as loucas são autênticas e não escondem o que são, até porque nem sempre conseguem. Não se importam muito com certas regras de vestuários, você pode encontrar com elas descabeladas, com um suéter com furos de queimadura de cigarro e continuarem lindas. Elas podem chorar até mais tarde porque você esqueceu o primeiro filme que vocês viram juntos, mas de noite ainda vai te cobrir de beijos mesmo com o rosto ainda meio molhado.

A louca nunca finge. A louca está lá por você, quer você. O louco é antes de tudo um sincero num mundo hipócrita e falso. Chega de falsos sentimentos. A passionalidade de uma pessoa louca é contagiante.

Isso tudo, claro, até a próxima briga e você ao tentar inutilmente resolver através da conversa e lógica, e falhando miseravelmente nesse intuito vai desejar alguém mais normal. Vai achar alguém mais normal. Alguém mais normal vai te achar louco demais. E aí você corre para as loucas novamente. E o caos, meus amigos, o caos é delicioso. As loucas viciam.

terça-feira, 21 de outubro de 2014

Tenho parentes no Facebook, e agora?



As pessoas me param na rua e perguntam “Adaílton, como é que a gente lida com parentes no facebook?” e eu resolvi escrever sobre isso.

Na verdade ninguém pergunta isso para mim. Eu é que gosto de imaginar que as pessoas perguntam. Na verdade mesmo eu gosto de imaginar que saio de casa e tem um batalhão de jornalistas prontos pra me fazer perguntas. Eu imagino um púlpito assim que deixo o prédio, cheio de microfones. Na real eu de vez em quando começo a responder na minha portaria erguendo a mão com veemência.

O Senhor Manuel, porteiro, tem certeza que sou louco. Não o culpo. Mas enfim.

Sou uma criança que foi criada no começo dos 90 e quando se tornou adolescente em 1999 já tínhamos internet mas não tínhamos as redes sociais como hoje. Isso significava que a gente tinha o grupinho do colégio, chegando no prédio era o grupinho do prédio e fim de semana era o grupinho de primos na festa de família. Basicamente os primos sabiam que você mijou na cama em Cabo Frio em 1993, os do prédio que toda noite tinha briga na sua casa e os do colégio te chamavam de Batoré. Agora nada define melhor do que CAOS.

O Facebook (e o finado Orkut inicialmente) deram início a uma verdadeira revolução de podres, um Wikileaks da vida secreta das pessoas. Aquela sua tia-avó que estava acostumado a encontrar você duas vezes por ano sempre muito arrumadinho e educado, aí resolve que vai fazer um facebook e a primeira coisa que o feed dela resolve mostrar é: “Fulano de Tal marcou Adailton Neves e mais 3 pessoas em uma foto” e lá está você em algum bloco de carnaval com duas ruivas vestidas de diabo e uma lata de cerveja na mão. E aí sua tia perde aquela imagem de bom moço que tinha de você, já que se a lata está numa mão a outra claramente está na bunda da ruiva número dois.

E ela aproveita pra reclamar com sua mãe.

E você nunca mais ganhará meias no natal.

E não podemos deixar de esquecer o que é a maravilha quando a mãe de algum amigo aprende a usar o scanner e começa a postar fotos antigas dele, algumas bastante vexatórias que levam apenas alguns nanossegundos para serem salvas.

O parente distante também é aquele que resolve fazer perguntas pra você. Em vez de usar o inbox como qualquer pessoa normal, ele vai na sua última postagem. Então você está lá escrevendo sobre a questão do impasse macroeconômico na União Européia quando de repente chega a tia Janete e “ADAÍLTON A TIA MARCINHA CHEGOU?” (Sim, em caps e não, ela não tinha chegado).

Aliás, existe um certo padrão de comportamento de comentários em foto que gostaria de compartilhar com vocês:

Foto com 2 pessoas: “Dupla dinâmica! Rs beijos em todos aí da casa fica com Deus”
Foto com 3 pessoas: “Trio parada dura! Rs beijos em todos aí da casa fica com Deus”
Foto com 4 pessoas: “Quarteto fantástico! Rs beijos em todos aí da casa fica com Deus”
Foto com 5 ou mais pessoas: “Turma do Barulho! Rs beijos em todos aí da casa fica com Deus”
Foto com comida: “Quero um pedaço ein! Rs beijos em todos aí da casa fica com Deus”
Foto turística: “Mas nada de vir aqui em casa! Rs beijos em todos aí da casa fica com Deus”

Portanto, para viver nesse novo mundo cão onde você não consegue mais esconder as suas saídas de suas tias existem apenas duas soluções: ou você não aceita parentes na internet e perde as ceias de Natal ou você passa a assumir o que é de verdade para todo mundo, aquele bêbado cretino com a mão na bunda da ruiva diaba. Ah, que saudade de você.

segunda-feira, 20 de outubro de 2014

Meus 50 mini-contos sobre primeiros beijos

#01 - "Vou te morder então". "Vai? então morde minha boca". Meu primeiro beijo saiu dessa tirada genial, tipo a primeira vitória do Rubinho na F1, heróica, e depois aquela merda que a gente viu. Combina mesmo.
#02 - Ela disse "Você tem certeza que a gente devia estar fazendo isso?". Eu disse "Sim". E não, a gente não devia estar fazendo isso. Nem um pouco.
#03 - Ela disse "Senta aqui mais perto" (era uma festa e eu tinha acabado de sair do banheiro)
#04 - "Vou fazer respiração boca a boca se precisar" "ok, podia fazer agora então" (linda a tirada, me orgulho até hoje. Foi minha primeira namorada)
#05 - "Eu ficaria com você, mas o povo fica comentando" "Não tem ninguém olhando agora"
#06 - Não lembro bem. Nem foram bons beijos.
#07 - Não lembro bem. Era meu aniversário. Foram bons os beijos. Foi suado conseguir o beijo, mas depois foi difícil explicar que eu não queria namorar. Meu melhor amor imperfeito.
#08 - "Vou embora" "Não vai não, fica mais um pouco" (Ficou bem mais que um pouco. Me apaixonei perdidamente. Ela não. Sofri muito com meu primeiro grande amor)
#09 - "Você devia parar de sofrer tanto por ela", sobre a #08
#10 - "Eu to tímida" "Mas é só timidez o problema?" "Sim" (Namoramos)
#11 - "Oi" "Oi" (A internet às vezes adianta muita coisa)
#12 - "Você precisa relaxar um pouco mais". Beijo. "E aí, ficou mais calma?" (Namoramos. Ela nunca ficou mais calma. Meu namoro mais longo)
#13 - "Mas você tem namorada, meu" "foda-se"
#14 - "É muito estranho essa aleatoriedade de estar aqui com você" "Eu posso acrescentar algo a mais nessa aleatoriedade?" "Pode"
#15 - "Eu estava querendo fazer isso a muito tempo"
#16 - "Me obrigue a te beijar", ela pediu. Fui à lua e voltei.
#17 - "Você vai continuar nessa posição torta machucando o cotovelo para ficar me evitando ou vai chegar aqui perto logo?". Nunca mais nos vimos.
#18 - "Oi" "Oi" (A internet mais uma vez, essa linda. Namoramos dois anos, meu melhor namoro, etc)
#19 - "Mas até que é uma cicatriz bonita. Só que o que combina melhor com sua boca que uma cicatriz é a minha boca". Havia álcool e minha casa vazia no processo.
#20 - "Agora a gente está sozinho, você pode me dar um beijo?"
#21 - "Mas ela tem namorado" "Nessa brincadeira não tem problema"
#22 - "Jura que nada vai mudar entre a gente?" "Juro" (Mudou um pouco, mas nenhum grande desastre. Ela é um anjo até hoje)
#23 - "Mas você tá ficando sério com ele?" "Não, eu to só ficando, a gente pode ficar com outras pessoas". Beijo.
#24 - "Cara se quiser aproveitar a chance é agora" "Então vem" Aí ela pulou em mim no colchão
#25 - Logo após a #24 ela tava do lado no colchão e eu beijei.
#26 - Na mesma festa, mas já estava muito bêbado para lembrar exatamente
#27 - Na mesma festa, mas minha alma não estava lá mais
#28 - Na mesma festa, mas tudo que tenho são relatos de terceiros
#29 - "Beija ele! Beija ele!" Aí veio o cara e forçou um beijo. Eu deixei.
#30 - "Se quiser aproveita sua chance é agora" Era eu falando. Para um cara. Foi o mesmo dia do #29, a porteira estava aberta.
#31 - "Eu agora posso te dar um beijo ou você vai me fazer esperar mais uma semana?"
#32 - "Vem cá beijar a gente ao mesmo tempo"
#33 - Terceira pessoa diz "Olha ele beija bem você devia beijar ele também"
#34 - "Eu nunca beijei você? Por quê?"
#35 - Ele diz para terceiros "Mas ele não pega homens" Eu fico parado olhando, ele faz cara de "jura?"
#36 - ... (Ela chegou e me beijou enquanto passava um filme na universidade)
#37 - ... (Eu a puxei e beijei no meio do corredor da faculdade. Ela adorou. Louca. E linda)
#38 - "Mas alguém gostaria de me beijar?" "Eu gostaria"
#39 - "Me dá um beijo também"
#40 - "Eu to com vergonha" "Não tenha" (namoramos)
#41 - ... (tava tocando funk e a gente dançou junto)
#42 - Mandaram a gente se pegar e ela e ele me pegaram
#43 - Mandaram a gente se pegar e ele e ela me pegaram
#44 - No mesmo local dos #42 e #43, não era um ambiente que precisava falar alguma coisa
#45 - "Você é bonitinho" "mostra que acha mesmo que eu sou bonitinho"
#46 - "Você tá nervosa, vamos aproveitar o sinal vermelho para você ficar mais calma". Aí atravessamos a rua e ela quase foi acertada por um ônibus.
#47 - "Pega uma bebida pra mim que eu te dou um beijo". Não, não foi ela. Fui eu. Sim, facinho.
#48 - "Garoto para de me provocar que isso vai dar merda" "Não". Deu merda depois, mas ó, curti.
#49 - "Escolhe alguém para beijar"
#50 - "Eu só vou dormir depois que você me beijar"

domingo, 19 de outubro de 2014

Não, você não irá achar alguém que te mereça (e isso é bom).


Vamos ser claros: você não é um troféu. Você não é um prêmio Nobel. Você não é nem a Taça Guanabara. Muito menos o Grammy e olha que até o CPM22 já levou um. Não me entenda por mal, eu não quero te diminuir, quero apenas te avisar que aquele papo consolativo que você ganhou após um fora não tem efeito prático nenhum.

Você foi dispensado por alguém. Até aí o mundo continuou fazendo seu movimento de rotação normalmente, exceto por seu cérebro insistir e se lembrar da frase que a pessoa disse justo na hora que você quer dormir. Você tomou outro fora e “é fase”. Então aquela foda fixa resolveu se fixar em outro alguém e aí você começa a perceber que “fase” é um conceito relativo e uma volta completa de Plutão em torno do Sol também é uma fase, o que faz você não só se desesperar como perceber que sabe uns lances de astronomia bem inúteis pra sua vida.

Aí, a Pessoa de Boas Intenções, doravante PBI, não quer te ver mal, acha que você deveria levantar, sacodir a poeira e dar a volta por cima. Então a PBI, pode ser sua mãe, sua melhor amiga, seu parceiro de sinuca, o carcereiro do turno da noite... vem e sapeca essa, nossa primeira frase  a ser desconstruída nesse amável (ou quase) blog.

Você vai achar alguém que te mereça.

Merecimento em um dos significados do dicionário significa habilidades e competências. Tem uma política mecânica aqui presente que não existe no mundo real. Se a gente trabalha duro para vender muitos livros e consertar muitos sofás e por isso recebe mais dinheiro, podemos comprar a Ferrari, nós merecemos essa Ferrari. Mas nos relacionamentos não adianta só levar a Ferrari para jantar num restaurante caro. Quem merece algo faz mais pontos. Ou mais dinheiro. Ou teve mais votos para o Grammy. MERECER tem toda aquela aura de reconhecimento indubitável, que pode servir para te dar um status na sociedade como um todo, mas a sociedade como um todo não tem nada a ver com as preferências amorosas daquela menina um período abaixo do seu que insiste em ser evasiva com seus flertes.

Nos relacionamentos não estamos tratando de uma gincana onde a quantidade de carinho e atenção vai sendo acumulada e ao atingir uma determinada pontuação você troca nos postos de atendimento os cupons de carinho por uma namorada. Você pode ser o cara mais legal da face da Terra, mas não tem olhos verdes, que pena. Você pode ser podre de rico, mas é gordo. Você pode gostar muito da pessoa e tratá-la como se trata uma divindade, mas ela pode não querer se envolver com alguém que more em Brasília. Você pode ser gordo e ela amar gordinhos, cha-ching, bingo! Você pode ser um alien e ela uma caçadora de UFOs e tudo estranhamente se completar e no final ela perceber que curte mesmo a galera de Alfa-Centauro, vocês de Aldebaran são meio pé no saco.

O que estou querendo dizer é que relacionamentos são muito menos criados por meritocracia e mais por construção. É como aquele velho combate do que é Arte e o que não é. Há quem goste de Romero Brito por mais que você torça o nariz. Vocês curtem uns filmes chatos de criancinhas iranianas perdendo sapatos e eu tô querendo distância

(sério mesmo gente, essa história não cabia num curta metragem?)

Então aquele troço de dar carinho e atenção e se mostrar uma boa pessoa é muito válido, afinal ninguém quer ser mal-tratado, mas não é isso que vai criar um relacionamento. Aliás, relacionamentos amorosos acontecem de formas tão aleatórias que seria leviano demais levantar um determinado padrão. Quando a gente diz que “você vai achar alguém que merece você”, a gente está dizendo que todas as outras pessoas são canalhas cretinas que dispensaram você porque não sabem reconhecer seu valor. Não é bem assim.


Ou você concorda que quando dispensa alguém teve suas razões ou é um canalha cretino meio vilão de novela ruim?

sábado, 18 de outubro de 2014

A Primeira Vez é sempre uma merda mesmo.

Quando a gente sai com alguém pela primeira vez, estamos sempre preocupados como uma entrevista de emprego. A primeira vez que vamos pular uma pedra para cair no mar, a primeira vez que temos que cozinhar feijão sem assistência, a primeira vez que colocamos o carro na garagem apertada e a primeira vez que numa aula de faculdade lotada, aquele professor chato mostrando pela primeira vez que ele é chato e entra aquela menina linda e que você ainda não se acostumou com a beleza dela. Agora não consegue pensar em outra coisa que não seja aqueles olhos caramelo. A primeira vez é sempre uma merda.

Textos de blog então, são uma merda ainda maior. Ainda mais quando o blog não tem um tema específico ou melhor, tem um tema especificamente abrangente quanto o cotidiano que nos cerca.
O que esperar daqui: muita filosofia barata sobre o cotidiano, textos rasteiros com trapaças linguísticas. e muito pilantrismo estrutural. Relacionamentos serão o tema mais recorrente, e não falo só do relacionamento amoroso, ou aquele que começa na faculdade e termina na cama dos pais da moça de olhos caramelos numa noite que envolveu a Polícia Federal e dois ex-BBBs. Vocês não iriam acreditar.

Pelo menos aqui podemos encerrar a primeira vez logo. Não tem ninguém na pedra da praia gritando “pula, viadinho!”. Eu tinha 11 anos gente, isso não se faz.